domingo, setembro 09, 2007

Entrevista com D. J. Fontana


Por Alexandre Petillo e Marco Bezzi

Ele poderia ter presenciado o exato momento em que Bill Gates criou o sistema operacional Windows. Ou poderia estar ao lado da pessoa que acionou o botão e despejou as bombas atômicas sobre o Japão. E ainda, poderia ter ajudado a criar a penicilina. Na verdade, Dominic Joseph Fontana não apenas presenciou -mas também participou- de um evento tão marcante para humanidade quanto os citados acima: tocou bateria no primeiro disco de Elvis Presley. Aquele, homônimo, de 1956, com a capa preta e letras coloridas, que caiu como uma bomba na cultura ocidental. Mais conhecido como D. J. Fontana, o baterista não participou apenas do primeiro disco do rei do Rock, como de quase tudo que ele gravou nos 14 anos seguintes de sua carreira, além de acompanhar de perto toda a ascensão do ídolo e conseqüentemente da "elvismania". É de autoria de Fontana, batidas cruas, rápidas e pesadas, que acabaram tornando-se a fundação da maneira de se tocar bateria no rock. Marteladas demolidoras como em "Hound Dog", "Blue Suede Shoes" e "Jailhouse Rock" ou minimalista, como em "Heartbreak Hotel". Ao lado de Bill Black (baixo) e Scotty Moore (guitarra), Fontana fez parte da banda original de Elvis, que o acompanhou em seus primeiros discos e em suas primeiras turnês. Hoje, Fontana faz alguns shows pelos EUA, utilizando-se do nome que ganhou junto aos fãs do Elvis. Recentemente, tocou no disco solo do Ronnie Wood, guitarrista dos Rolling Stones. Assim como aquele tio distante, que você pouco encontra, não precisa muito para que Fontana desfile histórias de sua vida quando jovem -ainda mais quando esse período foi totalmente ao lado de um dos maiores mitos da história.


O que mudou na música desde que Elvis morreu?

D.J. Fontana: Muita coisa mudou desde 1977. Mas ainda existem muitos jovens que começam a se interessar por Elvis. E isso é genial. Como da velha guarda, poderia posar aqui de saudosista e dizer que naquela época era melhor e coisa e tal. Existem muitas bandas boas por aí. Eu não ouço, mas reconheço coisas boas. Mas sim, naquela época o rock era mais feito com o coração. Existiam as preocupações em vender, claro, mas ficava restrito apenas entre os chefes das gravadoras. Lembro de que quando Elvis foi contratado pela RCA, boatos de que alguns chefões estavam com a corda no pescoço caso ele fosse um fracasso, surgiram. Mas ninguém confirmava. Esse tipo de coisa ficava apenas entre escritórios.


O que seria do rock sem Elvis?

D. J. Fontana: Possivelmente, uma moda passageira. Elvis pode não ter sido o artista mais criativo de sua geração, mas foi o catalisador fundamental para que o rock deixasse o gueto e invadisse todos os lugares. Sem Elvis, Chuck Berry e Little Richards não agüentariam tudo sozinhos. Elvis mudou mais do que a música, mudou o comportamento e o modo de agir e pensar de toda uma geração. E isso não se consegue apenas com boas canções, sim com algo a mais.


Quando o sr. viu Elvis pela primeira vez?

D. J. Fontana: Eu encontrei Elvis pela primeira vez no começo de 1954, no Lousianna Hayride, que era ao mesmo tempo um programa de rádio e um lugar para shows. Era um dos programas mais ouvidos dos EUA. Elvis, Scotty Moore (guitarrista) e Bill Black (baixista) tinham uma apresentação e precisavam de um baterista e eu estava por lá. Dei a sorte de ser o cara certo na hora certa. Elvis era daquele tipo de pessoa cheia de energia nervosa. Era um cara superativo. Sempre pulando de um lado para o outro ou fazendo alguma coisa. Ele nunca se cansava, mas quando isso acontecia, dormia doze ou treze horas seguidas. Nós íamos para o show dentro de um carro, apenas nós quatro. Nunca conseguíamos chegar a tempo das apresentações, porque não conseguíamos dirigir 100 km sem que Elvis não nos fizesse parar para comprar bombinhas e fogos de artifício. Eu dizia: "Já temos uma sacola cheia" e ele respondia: "Cara, nós podemos precisar de mais". Ele parava e comprava fogos de artifício apenas para ter o que fazer.


Como eram as gravações e os shows com Elvis, naquela época?

D. J. Fontana: As gravações eram bem engraçadas. Ele era fácil de se trabalhar e sabia muito bem o que queria ouvir em uma música. Era incrível, ele sempre dava o melhor de si, não importa em que situação fosse. Os shows no começo eram esquisitos, porque não tinham muitas pessoas. Mas com o tempo, cada platéia era maior e mais selvagem. Algumas bem selvagens, de invadir o palco e causar quebras enormes. Alguns lugares chegaram a recusar nossos shows com medo de acabar destruído. Nós nos divertimos muito nessa época. Teve um show, no Canadá em 57, eu acho, que foi bem maluco. Os estádios de futebol (americano) são enormes. Os fãs não conseguiam nos ouvir e muito menos nos ver. Aí uma multidão começou a querer se aproximar do palco para nos ouvir. Tinha uns tapumes, para que as pessoas ficassem sentadas. Os donos do estádio entraram em pânico, diziam: "Deus, eles vão destruir todo o campo". Como se aquelas enormes jogadores não fizessem isso regularmente. Mas o que você pode fazer contra 20 mil pessoas? Matá-las? Você não pode fazer isso. Então Elvis cantou algumas músicas e disse: "Nós gostaríamos que vocês voltassem para os seus lugares". E o público voltou, calmamente. Mas na última música eles avançaram de novo e Elvis saiu do palco, deixando a gente ali com as 20 mil pessoas. O palco foi invadido e destruído, mas nós conseguimos salvar boa parte do equipamento antes. Na saída, uns garotos ameaçaram virar o nosso carro. Gritamos que Elvis não estava com a gente, dentro do carro, e nos deixaram ir. Foi assustador. As turnês eram quase como todas as outras. Íamos para uma cidade, entrava no hotel, tomava banho e já íamos para o lugar do show. Depois dos shows, entrávamos nos carros e já dirigíamos para a próxima cidade. Nunca parávamos nem para ler os jornais, ou ouvir rádio. Dirigíamos a noite toda e dormíamos de dia. Tudo que sabíamos era dirigir. Foi por isso, também, que demoramos um pouco para ter noção do tamanho que a fama de Elvis tinha ganhado.


O que você lembra da primeira gravação com Elvis?

D. J. Fontana: A primeira gravação que tive com Elvis e o resto do grupo foi o momento mais tenso e nervoso da minha vida. Cheguei primeiro que todo mundo e fiquei sentado na bateria, concentrado. Sabia que não podia errar, existiam muitos bateristas tão bons quanto eu. Dentro de mim sabia que dali ia sair alguma coisa grande, não podia deixar de ser parte daquilo. Lembro muito bem do eco que tinha no estúdio. Mas era muito bom, dava uma atmosfera mais crua às músicas. Quando gravamos na RCA, tentaram captar o mesmo tipo de eco que tinha no disco da Sun Records. Espalharam microfones por todos os lados, mas não foi a mesma coisa.


Como era a relação de Elvis com seu empresário, o Coronel Tom Parker? Era verdade que o Coronel era um sanguessuga?

D. J. Fontana: Só posso dizer da época em que vivi bem ao lado dos dois, ou seja, no começo. Bem, o Coronel trabalhava e vivia para o Elvis, ponto. Ele costumava acordar as 5h, quando geralmente estávamos indo dormir, e não dormia enquanto o último ingresso não tivesse sido contado, ou a última foto vendida. Ele não deixava nenhum promotor ir embora enquanto este não vendesse todos os ingressos que estivesse em suas mãos. No entanto, ele não se importava com ninguém mais. Vinte e quatro horas por dia ele só tinha um pensamento: Elvis. Era o garoto dele.


Por que a banda original de Elvis se separou? Por que Bill Black e Scotty Moore saíram e você continuou?

D. J. Fontana: Mais ou menos no fim de 57, Elvis já era um sucesso enorme em todo o país. Vendendo muitos discos, fazendo muitos shows... Scotty e Bill quiseram ganhar mais também. O que a gente ganhava, na época, eram US$ 200 por semana e as despesas com comida e coisas desse tipo eram por nossa conta. Os dois tinham dívidas... Na verdade, eles queriam um pouco mais de reconhecimento. Escreveram uma carta para Elvis contando a situação. Pediram para eu assinar e eu não quis, achei que estava sendo tratado bem. Eles até que entenderam. Elvis recebeu a carta e conversou com o Coronel. Tentaram uma negociação, mas não chegaram a um acordo. Nesse meio tempo, os dois foram aos jornais e contaram a história. Elvis se sentiu traído, e eles acabaram demitidos de vez.


Quanto você continuou ganhando?

D. J. Fontana: Tínhamos um salário. Ganhava US$ 200 por semana, quando estávamos em turnê. Fora de turnê, ganhava US$ 100 por semana.


O que o sr. acha da volta da "Elvismania" graças ao comercial da Nike?

D. J. Fontana: Fantástico. Pode falarem o que quiserem, mas a música fez com que muita gente nova começasse a se interessar por Elvis. É um veículo muito bom para mostrar a música do Elvis para as novas gerações. Já se passaram 25 anos e Elvis ainda é o número 01.


Por que os músicos que tocaram com o Elvis não conseguiram nunca mais sair da sua sombra e fazer trabalhos autorais?

D. J. Fontana: É difícil esquecer quando se trabalhou com um dos maiores mitos da história da humanidade. O impacto que a convivência com uma pessoa como Elvis causa em você é enorme. Ainda sinto prazer em viver como se fosse naquela época. Acho que cumpri minha função perfeitamente. Se Elvis ainda causa fanatismo em pessoas que nasceram depois que ele morreu, imagina em quem conviveu com ele. Mas tudo bem, é um bom trabalho. Já estou nisso há 40 anos. Em qualquer outro tipo de trabalho, já teriam me despedido com 20 anos de casa.


O que o sr. tem feito ultimamente?

D. J. Fontana: Eu acabei de finalizar meu primeiro livro. Chega as livrarias agora em meados de agosto. Chama-se "The Beat Behind the King" ("A Batida por Trás do Rei", numa tradução literal). É o meu primeiro relato de memórias, contendo os 14 anos que eu passei com Elvis. Os discos, filmes, o especial de TV de 68 -aquele onde ele está todo de preto- e todas as aparições em programas diversos. Também tem cerca de 50 fotos, algumas nunca vistas por ninguém. Como um presente para os fãs, o livro também traz um CD grátis comigo contando histórias sobre Elvis. Além disso, vez por outra eu faço alguns shows aqui nos EUA.


Que tipo de música o sr. tem escutado ultimamente?

D. J. Fontana: Eu gosto muito de country, mas o country de raiz, não essas porcarias que tocam nas rádios comerciais. Ouço muita velharia também. Ainda gosto dos discos dos anos 50.


Em algumas gravações dos anos 60, Elvis usava dois bateristas, o sr. e mais alguém. Por que isso?

D. J. Fontana: Esse foi um período triste. Um cara apenas não conseguiria tocar todo o lixo que queriam que a gente gravasse. Naquelas músicas havaianas, por exemplo, tinha bongô, congo, isso e aquilo. Por isso que contratavam outros bateristas.


Naquele especial de 68, onde ele voltou a tocar com sua banda original, esse conceito partiu do próprio Elvis? Foi ele mesmo que te chamou?

D. J. Fontana: Não, ele não me chamou, como não chamou ninguém pessoalmente. Depois que eu parei de tocar com ele, só falei uma vez ao telefone com ele. Elvis sempre tinha pessoas que faziam tudo por ele. Mas a idéia de reunir o pessoal partiu de Elvis, sim. Ele só não fez as ligações.


E a última vez que o sr. o viu?

D. J. Fontana: Acho que foi em 69 ou 70. Fui a Graceland falar com ele.


Publicado originalmente no site da Brasil On Line (BOL)