segunda-feira, maio 28, 2007

Biografia não autorizada de Roberto Carlos e a influência de Elvis na música brasileira-1

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Trechos do livro "Roberto Carlos em detalhes", de Paulo Sérgio de Araújo.
LITTLE DARLING
ROBERTO CARLOS E A TURMA DO SUBÚRBIO
O uobop-bop-a-lum-uobop-bem-bum que Elvis Presley gritou lá de Memphis, em 1956, repercutiu como uma bomba nos subúrbios cariocas e quase abafou o bum bum bati cum dum prucu-rudum do samba do Rio de Janeiro. O bairro da Tijuca, na zona norte da cidade, foi o ponto de aglutinação de uma geração de garotos suburbanos e talentosos que sonhavam em ser americanos, vestir-se como americanos, cantar como americanos, viver como americanos. Seus ídolos eram os mesmos - e todos americanos: Elvis Presley, Little Richard, James Dean, Marlon Brando, Marilyn Monroe, Superman, Capitão América... E todos preferiam Coca-Cola a guaraná e só não passavam as tardes no McDonalds porque essa marca ainda não tinha chegado ao Brasil.

O pessoal se reunia então em frente ao Bar Divino, na esquina da rua do Matoso com Haddock Lobo, próximo ao Cinema Madri e ao Instituto Lafayette. Espécie de Memphis do rock nacional, aquela esquina da Tijuca atraía garotos como Tim Maia, Erasmo Carlos, Jorge Ben (que nos anos 90 mudou o nome para Jorge Benjor), Lafayette, Wilson Simonal, Ar-lênio Lívio, Luiz Ayrão, futuros Blue Caps como Renato e Paulo César Barros, futuros Fevers como Luiz Carlos e Liebert Ferreira... Raul Seixas não andava por ali porque morava na Bahia, mas logo, logo, alguém que vivia mais perto, um capixaba chamado Roberto Carlos, estaria se enturmando naquele clube da esquina carioca - ou quase americano.

O triunvirato de consumo cultural daqueles garotos era formado basicamente por discos, filmes e revistas em quadrinhos americanos. E disso o que eles reproduziam eram as canções. Não se pode dizer que faziam rock de garagem porque todos cresceram sem automóvel e entre pessoas que também não tinham. Eles faziam rock de rua e, como ficavam até tarde tocando, frequentemente provocavam a ira de alguns moradores, especialmente os da esquina da rua do Matoso com Haddock Lobo. A polícia era então chamada e prendia o violão dos roqueiros.

Erasmo e Tim Maia só vão se entender mesmo, e incrementar a turma da Tijuca, no período da adolescência, quando descobriram o rock"n"roll - manifestação da cultura pop que se projetou através do cinema.
Sim, o cinema é um dos pais do rock"n"roll, porque este não é apenas música, é também atitude, topete, calça jeans, jaqueta de couro, rebeldia...
No Brasil, o rock já era comentado antes mesmo de as pessoas ouvirem. Falava-se de um ritmo alucinante que levava muitos jovens a provocar quebra-quebra nos cinemas dos Estados Unidos. Diziam até que em algumas cidades americanas espectadores davam tiros na tela durante a exibição da tal música. "Eu me lembro que ia à praia e escutava um zum zun zum. "Vem aí um ritmo alucinante. Isso já me deixava assustado. Deus me livre! Eu não fazia a menor ideia do que fosse um ritmo alucinante", lembra Paulinho da Viola, enfatizando: "Pra mim aquilo era coisa do demónio. Eu não podia imaginar uma música que provocasse tamanha alucinação, a ponto de um cara puxar a arma e dar um tiro na tela. Porra, isso não entrava na minha cabeça. Então eu não quis nem saber e fiquei de fora".

A previsão de possível descontrole e baderna que envolvia a exibição do filme Ao balanço das horas deixava muitas autoridades de alerta, entre as quais o governador de São Paulo, Jânio Quadros. Na época, ele mandou um de seus famosos bilhetinhos, ordenando ao secretário de Segurança que "determinasse à polícia deter, sumariamente, colocando em carro de preso, os que promoverem cenas semelhantes; e, se forem menores, entregá-los ao honrado juiz". Pois o tal juiz de Menores, Aldo de Assis Dias, preferiu evitar maiores dores de cabeça e baixou logo uma portaria proibindo o filme de Bill Haley para menores de dezoito anos sob o argumento de que "o novo ritmo é excitante, frenético, alucinante e mesmo provocante, de estranha sensação e de trejeitos exageradamente imorais".

O fato é que, através do cinema, o rock "n" roll se espalhou pelo mundo, chegando até os ouvidos dos rapazes da turma da Tijuca

O rock pegou Erasmo ainda virgem musicalmente. Ao contrário de Roberto Carlos, que vinha de uma tradição romântica, fã de Tito Madi e de Dolores Duran, até então Erasmo não tinha maiores interesses musicais, a não ser pelas canções do caubói Bob Nelson no seu tempo de criança. Por isso o rock pegou mesmo Erasmo de jeito, e para sempre - o que não o tornou surdo para se encantar com a bossa nova quando essa surgiu logo depois.

Erasmo foi um daqueles de sensibilidade musical aguçada o suficiente para perceber de imediato a grandeza da arte de João Gilberto. Mas, para Erasmo, a bossa nova chegou um pouco atrasada: seu corpo e sua alma já estavam tomados pelo diabo do rock"n"roll.
E isto foi sacramentado quando repercutiu no Brasil a febre mundial pelo cantor Elvis Presley. (continua)